sexta-feira, 18 de abril de 2008

A morte, a fuga ou o cansaço da Garça?

Convidaram-nos um dia para uma sarrabulhada. Era na casa de um lavrador abastado que eu não conhecia há muito tempo mas que se me revelara ser uma pessoa de princípios, que olhava a meios para atingir fins. A casa de lavoura era ampla o suficiente para albergar na sala principal uns vinte convivas, a família, os compadres, uns amigos mais chegados, até o padre.
O dono da casa era pessoa frugal, nas ocasiões festivas não havia que fechar a carteira e em particular, comemorando-se um aniversário significativo para a família, resolveu convidar também para participar nesta alegria este amigo recente e mais dois, sem que o tempo constituísse para ele qualquer critério.
Quando já todos estávamos nos aperitivos, surgiram umas tantas pessoas, não se sabe de onde, nem quem os havia convidado, que se foram juntando ao grupo já constituído com ares tão insinuantes que a maioria os recebeu sem constrangimento, sem se interrogar porquê.
Quem já conhecia um era eu, um figurão de primeira, de bons modos, mas de cuja presença não descortinei os motivos de momento. O dono da casa com alguma estupefacção, mas sem desconforto, logo os convidou a almoçar e quem era eu para fazer algum reparo?
Sem alarido desviei-me para a sala ao lado, onde já se afadigavam a arranjar mesa para cinco pessoas, as quais acabaram por ser eu e os meus dois companheiros, mais dois velhos amigos do anfitrião sempre prontos a colaborar.
O lavrador abastado ainda nos visitou mas pareceu receoso das palavras, temeroso de mais para quem estava em sua casa. Não levei a mais do que um sinal de subserviência neste homem que sabia tudo da terra mas pouco de lavrar as palavras.
Sempre o considerei, sempre que o encontrei não medi o tempo que lhe dediquei, procurei seguir o sulco deixado pelas suas palavras, congratulei-me com os momentos de fulgor da sua vida e lastimei os desaires. Mas sempre declinei qualquer outro dos convites que me veio a dirigir para ir a sua casa

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Os jovens sem horizontes ficam-se pelo caricato

Os jovens têm à sua frente o tempo todo do mundo. Os jovens têm à sua frente o mundo todo. Aquilo que podia ser outrora motivo de aventura, que se desconhecia e só pressentia para além das nossas limitadas vistas, fronteiras, possibilidades, é hoje um mundo aberto, amplo, fraterno.
Por mais divergências que tenhamos com o mundo, nós sabemos que ele nos compreende, sabe quais são as nossas ambições, conhece os nossos mais íntimos desejos. E nós também o entendemos, sabemos que ele não quer mais do que nós queremos, que os seus desejos são os nossos, afinal.
Este anel à volta do mundo não é o anel da solidariedade que se imponha mas pelo menos é o anel da humanidade em que cada vez mais nos reconhecemos. Sabemos que temos que viver uns com os outros, mas que isto não é nenhum mal a que estejamos condenados, antes vai servir cada vez mais de alimento para a nossa criatividade.
A nossa vida colocou-nos em diferentes pontos de observação, limitou de modo diverso o alcance das nossas vistas, submeteu-nos a um constante vai e vem de perspectivas. Quando se pensaria que os homens mais experientes seriam os mais avisados, eis que nos surge na nossa frente uma luta incessante de interesses a que com dificuldade fugimos.
A nossa juventude tem o tempo e o mundo à sua frente mas também estes perigos da insensibilidade e da mesquinhez. Os interesses não são apanágio dos velhos mas também ela os já bebe com o leite materno. Por isso o esforço educativo tem que ser canalizado para a humildade e a fraternidade, para a comunhão da alegria que não seja à custa da tristeza.
Na minha juventude andávamos sempre à procura do caricato para nos rirmos. Encontrávamo-lo por todo o lado e pouco mas também na escola. Hoje com tanta permissividade, mas tanta regra, o jovem também procura. O caricato está pouco por todo o lado e muito na escola. Esta tem que lhe abrir novos horizontes.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

A Primavera no ciclo das Estações

Somos muito determinados para o bem e para o mal pelos ciclos naturais, é sabido. As estações do ano constituem um desses ciclos que exercem em nós uma forte influência, predispondo-nos para actividades indispensáveis na época e desmotivando-nos para outras. Só que a nossa vida já se desviou bastante desses ciclos.
Esta estação em que estamos, a Primavera, a mais promissora em termos de processo vegetativo de todas as quatro, traz-nos também problemas, até físicos, que todos sentem, uns porém mais intensamente do que os outros. Nascem-nos borbulhas, temos alergias, etc., etc.
Mas o que me interessa é que, sendo a Primavera a época por excelência das flores, do revigoramento do tecido vegetal, não é, no entanto, propícia a uma escrita leve, escorreita, despretensiosa. As palavras prendem-se, custam a sair, em contraste flagrante com a natureza exuberante.
Parece evidente que a natureza não gosta de palavras, antes quer contemplação, deslumbramento. Ela absorve-nos em certa demasia o espírito. Apresentando-nos tudo como constituído, não nos deixa grande espaço para criações nossas. É normal nesta altura virmos expressar opiniões embasbacadas e levianas sobre os propósitos que a natureza terá em nos enlevar.
Normalmente nós construímos para colmatar uma falha da natureza, para compensar um defeito, para a complementar, mas quando ela nos aparece assim tão cheia, tão dotada de todos os atributos que nós atribuímos ao belo, achamos que a mexer na natureza corremos o risco de a estragar.
Fugindo à ligeireza das palavras de ocasião, eu gosto de jardins, do espírito do jardineiro, mas a natureza acompanha-nos na rejeição de que se queira aprisionar a beleza dentro de um gradeamento. Numa cidade os jardins devem ser vistos mais pelo seu aspecto sanitário, prático do que da beleza em si.