sexta-feira, 28 de março de 2008

Este rio tem história que é parte da nossa história

O nosso rio é como um ser vivo, tão importante, tão sensível, tão vulnerável, cujo valor não pode ser comparado e que ultrapassa a nossa dimensão. Devíamos tratá-lo com o carinho que dedicamos às pessoas de que mais gostamos.
Infelizmente pouco se sabe dele, do seu passado a não ser que dá lampreias e já deu peixes bem mais nobres e salutares. Deixamos que lhe fizessem todas as maldades, que o utilizassem no único propósito de encher os bolsos a alguns.
O nosso rio é grande em tudo, só em cumprimento é pequeno. Parece até impossível como em tão curto trajecto arrasta consigo tanta água. Só se compreende por sermos a região do País em que mais chove e ser larga a sua bacia, quanto mais avançamos para a nascente, do Laboreiro ao Xerez.
Em 1949 foi inaugurada a barragem de Las Conchas que submergiu as melhores terras do médio Límia. Na altura não foram estudadas os reflexos desta barragem no curso inferior do rio, mas é natural que não tenham sido significativos porque continuaram a haver grandes cheias no Inverno e seca no Verão.
O pequeno aproveitamento do Lindoso de então não teve qualquer implicação visível embora os ladrões espalhassem periodicamente a ideia que iam abrir a barragem para causarem o pânico na feira e se entregarem melhor ao seu “trabalho”.
Nos anos sessenta o governo espanhol promoveu a canalização dos dois cursos de água que dão origem ao Límia, secando a maioria do sistema lacunar da longa planície de Ginzo de Limia. Foram alterações profundas ou tratar-se-á apenas de bulir na superfície e o sistema mantém-se inalterado?
No entanto foi há 15 anos que se deu a grande revolução neste rio com a barragem de Lindoso e com todas as implicações que isso teve no sistema de cheias, no regime de caudas que passaram a variar de uma maneira diferente da de antigamente. A história deste rio é também a nossa história.

sexta-feira, 21 de março de 2008

A nossa cabeça está cheia de lixo

“A nossa cabeça está cheia de lixo” o que sendo uma verdade insofismável já chegou ao domínio da canção. Não há dúvida que é uma forma pedagógica de transmitir uma ideia. Mas como todas as fórmulas simplificadoras corre o risco de se perder e não ter muitos efeitos práticos.
O lixo não é só constituído por aquelas séries que alguém memoriza para se dar ares de alguma sabedoria em algum domínio. Há quem recorde com precisão matrículas de carros, resultados e jogadores de futebol, filmes, canções. E ainda há séries mais extravagantes, sem préstimo que se veja.
No geral são dados sistematizados cuja classificação como lixo pode ser um pouco abusiva. Sendo o lixo aquilo que nós podemos deitar fora sem que isso constitua qualquer perca significativa para nós, não há dúvida que há outros dados dispersos de que nos poderíamos ver livres sem prejuízo.
Normalmente nós gostamos de recordar muita coisa, mas com a experiência começamos a ser mais selectivos. Mas se ainda vamos a tempo de colocar um filtro à memorização de pormenores sem interesse é porém mais complexo livrarmo-nos daquilo que na inocência de outros anos guardamos inutilmente.
Esta possibilidade de escolha daquilo que é lixo faz-nos também pensar em como seria benéfico deitarmos fora da nossa memória as coisas desagradáveis que vivemos, os momentos de humilhação, ou até de desvario da nossa parte.
Não será tão fácil, até porque as repercussões desses períodos mais negros já se terão repercutido na nossa emotividade. E alterar este estado de coisas só com uma diferente compreensão dos acontecimentos, com um melhor conhecimento de nós mesmos, caso contrário ficará um hiato insuportável. São experiências com que aprendemos a viver.

sexta-feira, 14 de março de 2008

A nossa morfologia casa-se com o rio e as canoas

Nós Limianos, será melhor não entrar nessa polémica do nome, vivemos pouco virados para o rio que no-lo deu. No entanto nós não lhe devemos só o nome, devemos-lhe tudo, esta largueza de vistas, esta paisagem cercada de serras, estas planícies fartas, este ar puro, este céu azul.
Conhecemo-lo como um rio rebelde. Não tinha aquela paragem tão acentuada no Lindoso. Vinha de “Las Conchas” com tanta bravura que mantinha limpas as suas margens, a areia fina do seu leito, a sua água era límpida e cristalina. Galgava as margens no Inverno, mirrava nas suas areias no Verão.
Hoje ainda não é o charco de água putrefacta que outros são, o canal de imundice em que alguns se tornaram, traz sempre alguma água graças à sua retenção na barragem do Lindoso, mas a sua estagnação torna-a pouco límpida, a poluição também sub-repticiamente se vai agravando.
Mas o Rio Lima ou Limia, como se queira, é a menina dos nossos olhos e tudo devíamos fazer por ele. E devemo-lo utilizar em todos os aspectos que quanto o mais fizermos mais o amamos. Se ainda pudermos fazer piquenique e andar de barco.
A nossa juventude tem hoje ao seu dispor o Clube Náutico de Ponte de Lima, como espaço para a prática de um desporto saudável. A canoagem casou-se de tal modo connosco que, sendo hoje já um desporto importante, sem dúvida irá constituir no futuro o desporto mais praticado em Ponte de Lima.
A canoagem adequa-se perfeitamente à morfologia da maioria dos nossos jovens e tem pois um vasto campo de aplicação. Adapta-se tão bem como se a canoa fosse a mais natural maneira de nos relacionarmos com a natureza. Decerto que é a mais antiga.
O único contra é que o rio necessitava de uma adaptação para a prática da canoagem, da criação de um canal mais fundo que desse outra sustentabilidade às canoas. As algas finas que tomam conta do seu leito enrolam-se nos lemes, os barcos encalham nos bancos de areia, os atletas lesionam-se.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Preparar uma decisão afastando o melindre

Se procuro escrever estas linhas em todas as edições deste Jornal é porque tenho disponibilidade para uma intervenção a diferentes níveis e a acho de algum modo útil. Não me é pedido ser pró ou contra, seria descabido, aliás só excepcionalmente as coisas são assim tão simples.
Temos muitas vezes a falsa ideia de que o poder nos exige que sejamos a favor ou contra todas as suas medidas. Dificilmente isso pode acontecer e quando aquele apoio é pedido há a procura de um totalitarismo absurdo, o que deve ser desde logo rejeitado. A nossa dignidade deve-nos impor isso.
Claro que devemos fazer um cômputo geral, uma avaliação mais ou menos detalhada e tirar uma conclusão. Mas esta será sempre subjectiva e devemos ainda assumir a sua relatividade. Deve ter em conta acima de tudo as opções em presença e não outras de que possivelmente gostaríamos mais. E além disso esta apreciação global só se justifica em certos momentos.
O que normalmente acontece é que este facto, a falta de alternativa viável, leva muita gente a uma atitude acrítica, a um militantismo anti-opinativo, vindo ainda dos tempos de Salazar. Esta ideia de que quem critica é prejudicial a quem faz é bizarra. Quem faz deve ter em conta as críticas no processo de decisão.
Ninguém se pode colocar a um nível superior, de se não querer submeter aos reparos dos outros. Principalmente quando se fazem coisas novas, quando se sai de um alinhamento mais previsível, imponha-se uma discussão aberta e que fossem facultados todos os dados que sustentam a decisão.
Quem pretende exercer o poder ou de qualquer maneira intervir deve-o fazer quando é possível e à posteriori se tiver que ser. O que se nos impõe é sermos claros na sustentação de um decisão diferente, de um outro rumo se for caso disso. Quem se sentir melindrado só tem que se preparar melhor para tomar melhores decisões.