sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Muito consumo, pouca consciência

Aproxima-se uma época de muito consumo e pouca consciência. Vivi a fase mais marcante da minha vida rodeado de entidades a fazer a apologia do uso parcimonioso do dinheiro, quando eu, como a maioria de nós, o não tínhamos. Por este indecoro é que nós não ligamos a essas recomendações.
Referia-me em particular às vozes outrora poderosas porque partilhavam de vários poderes, eficazes porque tinham uma repercussão profunda na maneira como a vida era vista pela grande maioria, com autoridade indiscutível pela infalibilidade que a partilha do sagrado lhe dava, e que hoje estão caladas.
Para as mentes daquele tempo o que hoje se passa é um escândalo. É no Natal que o dinheiro mais se esvai. Dir-se-á que é bom, que a economia floresce, que o dinheiro circula, incentiva e cria emprego. Fora o carácter supérfluo que algum deste consumo tem, está tudo bem quando é do nosso agrado.
De resto estou convencido que a maioria do consumo se refere a artigos necessários que poderiam ser comprados em qualquer outra ocasião e que só o são agora por haver mais disponibilidade. Em termos económicos só se poderá por em causa mesmo os produtos que têm proveniências exteriores ao nosso mercado.
Também de nada valeriam as retóricas morais que hoje já não teriam qualquer efeito. É mais salutar ter sentimentos contraditórios do que alimentar sentimentos arreigados. Por isso se é contra e se não é ao mesmo tempo. Por isso se dá prendas ao desbarato para se não ferir susceptibilidades. Por isso se alimenta o superficial em vez de partilhar qualquer sentimento mais profundo.
Mas se vai aumentar o consumo que aumente a consciência. Associemo-nos à campanha antecipada de prevenção rodoviária e ao apelo para que se atenue a mortandade que paira nas estradas. Que se gaste o dinheiro que aprouver mas que se seja comedido na estrada. Que se não gaste displicentemente a própria vida e a dos outros. È a melhor prenda de Natal.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Contra o ruralismo, a artificialidade, a submissão

O progresso provoca alteração dos ritmos, mas estes, só por si, estão longe de ser sinónimos de desenvolvimento. Muitas pessoas adquiram ritmos que nada têm a ver com a sua vida, andam sempre apressados à procura do nada.
Isto será uma “doença”. Como o é estar sempre apático, não alterarmos o comportamento perante qualquer sinal de emergência nossa ou alheia. Diferente será agir com frieza, o que pode ser habituação e profissionalismo e não indiferença.
Entre dois modos de ser tão extremados há muitos outros, mais ou menos louváveis, mais ou menos criticáveis, humanos como houverem de ser. Por aqui não há nada a dizer. Não podemos é defender ritmos de vida ultrapassados ou contribuir para a introdução doutros menos apropriados.
Quando falamos em ruralidade ou urbanidade associamos erradamente estes conceitos a outros que se referem a defeitos ou qualidades circunstanciais. Tudo se quer no seu lugar porque nada mais prejudicial a um dado ambiente do que o artificialidade. Não é baseado em factos isolados que diremos que há isto ou aquilo.
Tudo evolui e qualquer imposição é nefasta. A ruralidade subsiste em Ponte de Lima e até é defensável, se for do agrado de quem nela vive. Mas será abominável se promovida a ruralismo por quem acha que pode tirar partido dele, como realidade imutável.
A urbanidade é defensável e deve ser mesmo promovida como forma de contacto e convívio entre as pessoas. Mas é abominável quando esconde a introdução de comportamentos pretensamente evoluídos ou incomportáveis por demasiado sofisticados.
O maior problema nesta questão é que o maior transmissor de novas maneiras de proceder é a televisão, que o faz com muita superficialidade e artificialismo e que introduz, como comportamentos tipo, modismos e novidades passageiras que deixam rastos perniciosos. Cada um deve fazer o seu caminho, sem renegar o meio em que vive, mas sem se submeter a ele.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Se não se é apanhado pela boca, é-se apanhado por baixo da barriga

Em Ponte de Lima o preço da água consumida é escalonado e altamente progressivo. A relação é quase de 1 para 4. Para quem consumir muito água por mês, a que ultrapassar os 25 m3 é paga a 1,39 €, contra os 0,33 € que todos pagam pelos primeiros 5 m3.
Foi agora introduzido o pagamento do tratamento das águas residuais por indexação ao consumo de água. Utilizaram o mesmo escalonamento quantitativo para preços diferentes e submetidos a critérios diferentes de progressão de valores.
Para as águas residuais a relação é somente de 1 para 1,75. O seu tratamento no excedente aos 25 m3 é pago a 0,72 €, cerca de metade do custo da água respectiva, ao passo que os primeiros 5 m3 já são pagos a 0,41 €, mas superior em 25 % à respectiva água.
Em boa política social quem muito consome deveria pagar os custos da operação dos equipamentos e quem se limita aos consumos mínimos deveria pagar somente uma parte dos custos totais, podendo-se adoptar como critério os custos variáveis.
Dando de barato que assim possa ser, embora se não perceba tanta diferença nos critérios de progressão, a questão assume aspectos caricatos. Todos são convidados a consumir pouca água mas quem o faça paga pelo seu tratamento 125% do seu preço e quem o não faça só paga pelo seu tratamento 50%.
Há quem arranje explicação para tudo. Uns dirão que quem pouca água consome o fará preferencialmente para se lavar e se alimentar e a devolve na totalidade e bem suja à rede de esgotos. Os que consomem muita gastá-la-ão para fins menos conspurcantes e só devolverão uma pequena parte.
Outros dirão que o esgoto do quem consome pouca água é mais denso, bem sujinho como convém. Por exemplo consegue tirar o lixo do corpo com menos água. Já quem não liga à quantidade envia para o esgoto um resíduo mais diluído, deixa correr a água à larga.Não se pode ser pobre. Se não se é apanhado pela boca, é-se apanhado por baixo da barriga.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A nossa defesa está na frágil atmosfera

Para nossa sorte a Terra ainda não saiu da sua órbita e continua a rodar sobre si mesma num movimento que, à nossa dimensão, é perpétuo. Mas, se o Sol, por efeito da conjunção desses factos, continua a baixar no Outono, o calor do Verão não nos quer largar.
As alterações que estamos a sentir não tem pois a radicalidade que teriam se houvesse uma mudança naqueles parâmetros, mas já são suficientes para pensarmos que algo de menos esperado está a acontecer e que muito pior pode estar para vir.
Nós não estamos preparados para tal mutação mas parece que o estará muito menos o coberto vegetal, mesmo as árvores. Tudo e todos estamos a sofrer as consequências da nossa leviandade.
A irresponsabilidade é dos que da economia fazem uma arma da sua ganância e de luta. A insensatez é dos que querem viver no mais imediato e aparente bem-estar, sem cuidar de saber como, nem à custa do quê e de quem.
Comprometemos o futuro de tudo e de todos com as nossas desmedidas ambições, a nossa suprema inveja de beneficiarmos de todas as conquistas científicas e tecnológicas que não estaria nos desígnios do Universo virem a cair na posse de seres tão perversos como os humanos.
Para sobreviver não temos que regressar à idade da pedra mas temos decerto de fazer concessões ao realismo em detrimento da nossa ânsia de avançar às cegas num caminho cheio de armadilhas. Em particular a ciência tem que ter em conta a irreversibilidade ou não de todos os processos de fabrico.
Tudo se desmoronará se não protegermos o nosso escudo atmosférico. Aquilo a que nunca demos importância, o ar, porque o julgávamos imenso, necessita de ser tratado com delicadeza para lhe não retirarmos as propriedades que a sua composição permitiu que nós chegássemos até hoje sem grandes sobressaltos.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Quem preserva a velha aldeia na sua dimensão humana?

Sendo das aves que passa bastante tempo no Largo de Camões, no intervalo dos seus afazeres piscícolas nas mansas águas do Lima, facilmente a garça seria levado a ver o concelho de Ponte de Lima por esse óculo estreito.
Na realidade ela não me transmite esse mal que afecta tantos. A pé, de bicicleta, agora de carro, sempre fez as minhas incursões ao campo, à aldeia. Sempre encontrei aldeões, homens que gostam da sua terra, que adequaram o seu modo de viver e de ser à realidade local, que estão prontos a partilhar com os vilões uns momentos de conversa, de aprendizagem mútua, de convívio.
Quando há festa todos são bem recebidos, seja num bosque, no alto dum monte, nas margens duma ribeira. A festa acontece, a conversa também, ninguém viola o estado de espírito do outro, quem não vive no lugar respeita quem se sente bem integrado num meio que durante séculos foi quase imutável, mas criam-se laços..
Sabemos quanto a terra nos tem fugido debaixo dos pés, quanto as coisas tem mudado, quanta desertificação ocorreu, quanto novos afazeres mais lucrativos fizeram desviar a gente, quanta técnica inovadora contribuiu para o abandono dos antigos ritmos e práticas!
A aldeia perdeu o velho espírito aldeão, é invadida por citadinos que se isolam, vivem lá uns dias mas num mundo aparte, não criam laços de vivência, de cumplicidade, muito menos de amizade. Não se vive com humildade e o espírito do lugar não é respeitado pela arrogância, pela ostentação de um poder aqui sem cabimento.
Ninguém é dono exclusivo dum lugar, dum modo de vida, dum passado. Mas esses inocentes que tentam reinventar paraísos que, é suposto, tenham perdido, antes deviam comprar terras e construir eles os seus lugares, as suas aldeias, e aí nada havia a opor.
São os vilões, mas principalmente os citadinos, que os demandam, invadem, mas não se integram nos lugares existentes, desvirtuam a arquitectura, diluem as suas especificidades, pulverizam e fazem evaporar o seu particular espírito convivencial.E quanto ao seu contributo para a actividade económica local: até o arroz e os jornais trazem na mala do carro. Quantos lêem o A.M.?