sexta-feira, 18 de abril de 2008

A morte, a fuga ou o cansaço da Garça?

Convidaram-nos um dia para uma sarrabulhada. Era na casa de um lavrador abastado que eu não conhecia há muito tempo mas que se me revelara ser uma pessoa de princípios, que olhava a meios para atingir fins. A casa de lavoura era ampla o suficiente para albergar na sala principal uns vinte convivas, a família, os compadres, uns amigos mais chegados, até o padre.
O dono da casa era pessoa frugal, nas ocasiões festivas não havia que fechar a carteira e em particular, comemorando-se um aniversário significativo para a família, resolveu convidar também para participar nesta alegria este amigo recente e mais dois, sem que o tempo constituísse para ele qualquer critério.
Quando já todos estávamos nos aperitivos, surgiram umas tantas pessoas, não se sabe de onde, nem quem os havia convidado, que se foram juntando ao grupo já constituído com ares tão insinuantes que a maioria os recebeu sem constrangimento, sem se interrogar porquê.
Quem já conhecia um era eu, um figurão de primeira, de bons modos, mas de cuja presença não descortinei os motivos de momento. O dono da casa com alguma estupefacção, mas sem desconforto, logo os convidou a almoçar e quem era eu para fazer algum reparo?
Sem alarido desviei-me para a sala ao lado, onde já se afadigavam a arranjar mesa para cinco pessoas, as quais acabaram por ser eu e os meus dois companheiros, mais dois velhos amigos do anfitrião sempre prontos a colaborar.
O lavrador abastado ainda nos visitou mas pareceu receoso das palavras, temeroso de mais para quem estava em sua casa. Não levei a mais do que um sinal de subserviência neste homem que sabia tudo da terra mas pouco de lavrar as palavras.
Sempre o considerei, sempre que o encontrei não medi o tempo que lhe dediquei, procurei seguir o sulco deixado pelas suas palavras, congratulei-me com os momentos de fulgor da sua vida e lastimei os desaires. Mas sempre declinei qualquer outro dos convites que me veio a dirigir para ir a sua casa

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Os jovens sem horizontes ficam-se pelo caricato

Os jovens têm à sua frente o tempo todo do mundo. Os jovens têm à sua frente o mundo todo. Aquilo que podia ser outrora motivo de aventura, que se desconhecia e só pressentia para além das nossas limitadas vistas, fronteiras, possibilidades, é hoje um mundo aberto, amplo, fraterno.
Por mais divergências que tenhamos com o mundo, nós sabemos que ele nos compreende, sabe quais são as nossas ambições, conhece os nossos mais íntimos desejos. E nós também o entendemos, sabemos que ele não quer mais do que nós queremos, que os seus desejos são os nossos, afinal.
Este anel à volta do mundo não é o anel da solidariedade que se imponha mas pelo menos é o anel da humanidade em que cada vez mais nos reconhecemos. Sabemos que temos que viver uns com os outros, mas que isto não é nenhum mal a que estejamos condenados, antes vai servir cada vez mais de alimento para a nossa criatividade.
A nossa vida colocou-nos em diferentes pontos de observação, limitou de modo diverso o alcance das nossas vistas, submeteu-nos a um constante vai e vem de perspectivas. Quando se pensaria que os homens mais experientes seriam os mais avisados, eis que nos surge na nossa frente uma luta incessante de interesses a que com dificuldade fugimos.
A nossa juventude tem o tempo e o mundo à sua frente mas também estes perigos da insensibilidade e da mesquinhez. Os interesses não são apanágio dos velhos mas também ela os já bebe com o leite materno. Por isso o esforço educativo tem que ser canalizado para a humildade e a fraternidade, para a comunhão da alegria que não seja à custa da tristeza.
Na minha juventude andávamos sempre à procura do caricato para nos rirmos. Encontrávamo-lo por todo o lado e pouco mas também na escola. Hoje com tanta permissividade, mas tanta regra, o jovem também procura. O caricato está pouco por todo o lado e muito na escola. Esta tem que lhe abrir novos horizontes.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

A Primavera no ciclo das Estações

Somos muito determinados para o bem e para o mal pelos ciclos naturais, é sabido. As estações do ano constituem um desses ciclos que exercem em nós uma forte influência, predispondo-nos para actividades indispensáveis na época e desmotivando-nos para outras. Só que a nossa vida já se desviou bastante desses ciclos.
Esta estação em que estamos, a Primavera, a mais promissora em termos de processo vegetativo de todas as quatro, traz-nos também problemas, até físicos, que todos sentem, uns porém mais intensamente do que os outros. Nascem-nos borbulhas, temos alergias, etc., etc.
Mas o que me interessa é que, sendo a Primavera a época por excelência das flores, do revigoramento do tecido vegetal, não é, no entanto, propícia a uma escrita leve, escorreita, despretensiosa. As palavras prendem-se, custam a sair, em contraste flagrante com a natureza exuberante.
Parece evidente que a natureza não gosta de palavras, antes quer contemplação, deslumbramento. Ela absorve-nos em certa demasia o espírito. Apresentando-nos tudo como constituído, não nos deixa grande espaço para criações nossas. É normal nesta altura virmos expressar opiniões embasbacadas e levianas sobre os propósitos que a natureza terá em nos enlevar.
Normalmente nós construímos para colmatar uma falha da natureza, para compensar um defeito, para a complementar, mas quando ela nos aparece assim tão cheia, tão dotada de todos os atributos que nós atribuímos ao belo, achamos que a mexer na natureza corremos o risco de a estragar.
Fugindo à ligeireza das palavras de ocasião, eu gosto de jardins, do espírito do jardineiro, mas a natureza acompanha-nos na rejeição de que se queira aprisionar a beleza dentro de um gradeamento. Numa cidade os jardins devem ser vistos mais pelo seu aspecto sanitário, prático do que da beleza em si.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Este rio tem história que é parte da nossa história

O nosso rio é como um ser vivo, tão importante, tão sensível, tão vulnerável, cujo valor não pode ser comparado e que ultrapassa a nossa dimensão. Devíamos tratá-lo com o carinho que dedicamos às pessoas de que mais gostamos.
Infelizmente pouco se sabe dele, do seu passado a não ser que dá lampreias e já deu peixes bem mais nobres e salutares. Deixamos que lhe fizessem todas as maldades, que o utilizassem no único propósito de encher os bolsos a alguns.
O nosso rio é grande em tudo, só em cumprimento é pequeno. Parece até impossível como em tão curto trajecto arrasta consigo tanta água. Só se compreende por sermos a região do País em que mais chove e ser larga a sua bacia, quanto mais avançamos para a nascente, do Laboreiro ao Xerez.
Em 1949 foi inaugurada a barragem de Las Conchas que submergiu as melhores terras do médio Límia. Na altura não foram estudadas os reflexos desta barragem no curso inferior do rio, mas é natural que não tenham sido significativos porque continuaram a haver grandes cheias no Inverno e seca no Verão.
O pequeno aproveitamento do Lindoso de então não teve qualquer implicação visível embora os ladrões espalhassem periodicamente a ideia que iam abrir a barragem para causarem o pânico na feira e se entregarem melhor ao seu “trabalho”.
Nos anos sessenta o governo espanhol promoveu a canalização dos dois cursos de água que dão origem ao Límia, secando a maioria do sistema lacunar da longa planície de Ginzo de Limia. Foram alterações profundas ou tratar-se-á apenas de bulir na superfície e o sistema mantém-se inalterado?
No entanto foi há 15 anos que se deu a grande revolução neste rio com a barragem de Lindoso e com todas as implicações que isso teve no sistema de cheias, no regime de caudas que passaram a variar de uma maneira diferente da de antigamente. A história deste rio é também a nossa história.

sexta-feira, 21 de março de 2008

A nossa cabeça está cheia de lixo

“A nossa cabeça está cheia de lixo” o que sendo uma verdade insofismável já chegou ao domínio da canção. Não há dúvida que é uma forma pedagógica de transmitir uma ideia. Mas como todas as fórmulas simplificadoras corre o risco de se perder e não ter muitos efeitos práticos.
O lixo não é só constituído por aquelas séries que alguém memoriza para se dar ares de alguma sabedoria em algum domínio. Há quem recorde com precisão matrículas de carros, resultados e jogadores de futebol, filmes, canções. E ainda há séries mais extravagantes, sem préstimo que se veja.
No geral são dados sistematizados cuja classificação como lixo pode ser um pouco abusiva. Sendo o lixo aquilo que nós podemos deitar fora sem que isso constitua qualquer perca significativa para nós, não há dúvida que há outros dados dispersos de que nos poderíamos ver livres sem prejuízo.
Normalmente nós gostamos de recordar muita coisa, mas com a experiência começamos a ser mais selectivos. Mas se ainda vamos a tempo de colocar um filtro à memorização de pormenores sem interesse é porém mais complexo livrarmo-nos daquilo que na inocência de outros anos guardamos inutilmente.
Esta possibilidade de escolha daquilo que é lixo faz-nos também pensar em como seria benéfico deitarmos fora da nossa memória as coisas desagradáveis que vivemos, os momentos de humilhação, ou até de desvario da nossa parte.
Não será tão fácil, até porque as repercussões desses períodos mais negros já se terão repercutido na nossa emotividade. E alterar este estado de coisas só com uma diferente compreensão dos acontecimentos, com um melhor conhecimento de nós mesmos, caso contrário ficará um hiato insuportável. São experiências com que aprendemos a viver.

sexta-feira, 14 de março de 2008

A nossa morfologia casa-se com o rio e as canoas

Nós Limianos, será melhor não entrar nessa polémica do nome, vivemos pouco virados para o rio que no-lo deu. No entanto nós não lhe devemos só o nome, devemos-lhe tudo, esta largueza de vistas, esta paisagem cercada de serras, estas planícies fartas, este ar puro, este céu azul.
Conhecemo-lo como um rio rebelde. Não tinha aquela paragem tão acentuada no Lindoso. Vinha de “Las Conchas” com tanta bravura que mantinha limpas as suas margens, a areia fina do seu leito, a sua água era límpida e cristalina. Galgava as margens no Inverno, mirrava nas suas areias no Verão.
Hoje ainda não é o charco de água putrefacta que outros são, o canal de imundice em que alguns se tornaram, traz sempre alguma água graças à sua retenção na barragem do Lindoso, mas a sua estagnação torna-a pouco límpida, a poluição também sub-repticiamente se vai agravando.
Mas o Rio Lima ou Limia, como se queira, é a menina dos nossos olhos e tudo devíamos fazer por ele. E devemo-lo utilizar em todos os aspectos que quanto o mais fizermos mais o amamos. Se ainda pudermos fazer piquenique e andar de barco.
A nossa juventude tem hoje ao seu dispor o Clube Náutico de Ponte de Lima, como espaço para a prática de um desporto saudável. A canoagem casou-se de tal modo connosco que, sendo hoje já um desporto importante, sem dúvida irá constituir no futuro o desporto mais praticado em Ponte de Lima.
A canoagem adequa-se perfeitamente à morfologia da maioria dos nossos jovens e tem pois um vasto campo de aplicação. Adapta-se tão bem como se a canoa fosse a mais natural maneira de nos relacionarmos com a natureza. Decerto que é a mais antiga.
O único contra é que o rio necessitava de uma adaptação para a prática da canoagem, da criação de um canal mais fundo que desse outra sustentabilidade às canoas. As algas finas que tomam conta do seu leito enrolam-se nos lemes, os barcos encalham nos bancos de areia, os atletas lesionam-se.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Preparar uma decisão afastando o melindre

Se procuro escrever estas linhas em todas as edições deste Jornal é porque tenho disponibilidade para uma intervenção a diferentes níveis e a acho de algum modo útil. Não me é pedido ser pró ou contra, seria descabido, aliás só excepcionalmente as coisas são assim tão simples.
Temos muitas vezes a falsa ideia de que o poder nos exige que sejamos a favor ou contra todas as suas medidas. Dificilmente isso pode acontecer e quando aquele apoio é pedido há a procura de um totalitarismo absurdo, o que deve ser desde logo rejeitado. A nossa dignidade deve-nos impor isso.
Claro que devemos fazer um cômputo geral, uma avaliação mais ou menos detalhada e tirar uma conclusão. Mas esta será sempre subjectiva e devemos ainda assumir a sua relatividade. Deve ter em conta acima de tudo as opções em presença e não outras de que possivelmente gostaríamos mais. E além disso esta apreciação global só se justifica em certos momentos.
O que normalmente acontece é que este facto, a falta de alternativa viável, leva muita gente a uma atitude acrítica, a um militantismo anti-opinativo, vindo ainda dos tempos de Salazar. Esta ideia de que quem critica é prejudicial a quem faz é bizarra. Quem faz deve ter em conta as críticas no processo de decisão.
Ninguém se pode colocar a um nível superior, de se não querer submeter aos reparos dos outros. Principalmente quando se fazem coisas novas, quando se sai de um alinhamento mais previsível, imponha-se uma discussão aberta e que fossem facultados todos os dados que sustentam a decisão.
Quem pretende exercer o poder ou de qualquer maneira intervir deve-o fazer quando é possível e à posteriori se tiver que ser. O que se nos impõe é sermos claros na sustentação de um decisão diferente, de um outro rumo se for caso disso. Quem se sentir melindrado só tem que se preparar melhor para tomar melhores decisões.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

O sobe e desce dos nossos passeios

A zona histórica da Vila de Ponte de Lima foi há anos empedrada segundo um gosto que não é o de todos, mas as modas são assim. A pedra deveria ter sido exclusivamente da região, mas não o foi, tendo até sido instalada alguma pedra espanhola de textura e cor diversa da de cá.
Neste empedrado contínuo houve necessidade de colocar tampas para acesso a caixas de vária origem, desde saneamento, telefones. A pedra de granito é dura mas a sua resistência depende muito da forma como é cortada, como é colocada, da disposição das suas faces.
Estas tampas andam permanentemente partidas. Toda a espécie de transportes invade as áreas pedonais da zona histórica para cargas e descargas a qualquer hora do dia, sem quaisquer regras, contrariamente à prática existente em locais semelhantes. É tal o movimento que ninguém diria que o comércio dessa zona estivesse em crise, como está.
Peão sofre. Partem-se uns tacões, estragam-se uns sapatos, torna-se penoso ter que passar várias vezes nos mesmos locais. E a solução era tão fácil. O granito não é material que dê para fazer tampas de dez centímetros e tampas mais grossas tornar-se-iam difíceis de remover quando se queira aceder às caixas.
Mas não é só aqui que os peões têm problemas. Parece que determinadas ruas ainda são entendidas como estradas que atravessam a Vila. Faltam passeios em vários locais como a Via Foral D. Teresa, a Rua da Adega, a Rua entre a Ponte da Guia e o acesso ao Cemitério da Vila.
O sobe e desce passeios e piso de estrada é perigoso, quando chove ainda se torna mais difícil. As pessoas do jogging nocturno mereciam que pelo menos houvesse passeio em todo o circuito citadino Escola da Freiria, S. Gonçalo, Rotunda da Feitosa, Ponte de Crasto. Nem sempre é recomendável ir para a ecovia.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Espaço é coisa que nos não falta, soubéssemos nós organizá-lo

Da feira do gado ou da feira das galinhas, aqui bem junto ao Largo de Camões, saíram vários craques da bola. Era aí o campo de treino privilegiado da mocidade de há uns trinta anos para trás. E espectadores não faltavam em cima dos paredões.
Ao fim da tarde, depois da escola, mas também já do trabalho de muitos, juntavam-se aí ao fim da tarde para uma peladinha, para queimar as últimas energias, para afinar os músculos, que não para ganhar apetite, que esse não faltaria.
Nos dias de hoje os carros tomaram conta daqueles espaços. Faltam na área da zona histórica um palco para alguma actividade física dos mais jovens. A energia é muitas, os jovens alimentam-se bem, de certo que em excesso e uma bola é sempre o atractivo maior para começar uma brincadeira, seja qual for o local.
Uns esperam que os pais fechem os estabelecimentos, outros pelos autocarros que os hão-de levar à aldeia, os jovens não podem simplesmente estar parados, hoje já não toleram tempos mortos, de simples contemplação da natureza.
Por sua vez a gestão do espaço urbano passa por criar pequenas zonas verdes, áreas de lazer, livres de carros, esplanadas ou outros equipamentos urbanos, para permitir uma fruição sem regras e sem constrangimentos do espaço.
Mas há espaços onde as regras terão que existir, não é possível coabitar gente a passar, esplanadas apinhadas e miúdos a dar chutos despropositados a bolas de futebol de onze. Neste jogo de interesses entre os vários utilizadores do espaço público é necessário intervir para satisfazer a todos.
Temos a maior sorte do mundo. Espaço é coisa que nos não falta, soubéssemos nós organizá-lo, dispusesse-nos os vários equipamentos convenientemente e teríamos todos algum reservado para as nossas actividades mais favoritas.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Toda a vaidade e toda a inveja são marginais na história

Este afã de colocar tudo em livro, em audiovisual, até na Internet revela uma preocupação com uma mudança que está em curso e nos fará esquecer de todo um passado que devemos preservar, independentemente de ter sido bom ou mau.
O ideal seria que nós memorizássemos em suporte impessoal factos, modos de vida, afazeres, tudo aquilo que pudesse ser utilizado como tema de estudo no futuro. Garantir-se-ia um acesso fácil, imediato e generalizado. Tudo o resto se vai perder.
Era costume há uns anos fazer os maiores elogios às pessoas de memória brilhante que nos podiam dar indicações preciosas sobre os acontecimentos que tinham presenciado. Até se entendia como sábio aquele que era capaz de descrever com alguns pormenores algumas histórias do seu tempo.
Tudo tem o seu lugar. Mas as pessoas estão muito dependentes da sua perspectiva e a história de uma época é a história que integra a história de todos mesmo quando a história de muitos é marginal em relação ao eixo vital, ao fio condutor que fez com que o presente seja aquele que temos.
Quer dizer que, mesmo que eu não queira, eu também lá estou na história do meu tempo, marginal ou não em relação a toda a história dos meus contemporâneos. Quanto cada um de nós mais próximo se consegue colocar em relação àquele fio condutor que nos trouxe até aqui mais sábio será.
Toda a sabedoria reside em nunca desprezar o medo, o sacrifício, em perseguir mais de perto ou mais de longe aquele eixo vital, em conseguir transmitir aos novos a humildade de aceitarmos aquilo que o nosso esforço é capaz de obter, a luz que partilhamos e nos ilumina o caminho.
Tudo o que é superficial se esvairá um dia. Deixaremos de correr atrás da vaidade porque perceberemos que essa é a melhor maneira de nos afastarmos dos outros, sem benefícios efectivos. Deixaremos de ser impulsionados pela inveja porque essa nos cega e nos rouba a paz.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Será a melhor forma de encomendar um estudo?

Em Ponte de Lima nem tudo tem sido agricultura. Além de ser importante estudar esta sob um aspecto económico, que não só folclórico, seria também de estudar as outras actividades, mais ou menos relacionadas com esta e com alguma relevância no panorama limiano.
“Serração de madeiras, pedreiras, minas (volfrâmio, estanho, ouro), lagares de azeite, são as nossas indústrias mais tradicionais de cuja arqueologia se não houve falar”, escrevi algures. Bem mais de uma centena de moinhos de água restam em ruínas. Ferreiros e carpinteiros tradicionais desapareceram. Da actividade mineira só restam casas entretanto ardidas ou vandalizadas, minas de certo modo perigosas e mal protegidas.
Terá a Câmara Municipal acordado para esta problemática? O projecto Terra Rica da Humanidade preocupar-se-á com este aspecto do nosso passado? O pelouro da Cultura ter-se-á apercebido desta lacuna e abriu um concurso para que jovens licenciados quisessem fazer trabalhos sobre este tema?
Numa iniciativa desgarrada a Câmara resolveu encomendar um trabalho sobre as fábricas de serração de madeira e convidou uma jovem licenciada devidamente habilitada mas que por motivos profissionais não pôde aceitar o encargo. Porque é que a Câmara se cansou e desistiu desse caminho?
Ao primeiro “expert” que apareceu atribui 5 000 € para um trabalho cujo projecto, âmbito e estratégia se desconhecem. Como se não conhecem os seus contornos só por analogia se pode conceber como uma recolha de fotografias e audição de umas histórias avulsas e melodramáticas?
A Câmara Municipal tem patrocinado muitas publicações, mas diferente é quando se quer um estudo sério, sistemático, perceptível pelos destinatários e lhes faça algum proveito, que fique para a nossa memória colectiva, não uma simples recolha fotográfica ou um repositório de depoimentos desconexos.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Ver a árvore e a floresta, ver a floresta mas também a àrvore

Há pessoas que têm tendência para ver as coisas com mais minúcia e outras para ver de uma forma mais genérica. Outras ainda serão capazes de ver todas as coisas das duas maneiras, ver a árvore e a floresta, ver a floresta mas também a árvore.
Depois é uma questão de qual a sua capacidade de relativização e aí constatamos que para generalizar estamos nós todos prontos e para observar com minúcia já só estamos alguns. E aqui está a diferença entre ser responsável ou não.
Não é propriamente um defeito generalizarmos a partir dos sintomas mais negativos, ver tudo negro. Nós somos vítimas das circunstâncias de se não achar desonesto avaliar o estado de uma situação como negra, quando nela encontramos mais pontos positivos que negativos.
O contrário também é verdade: Generalizamos o que consideramos positivo, quando essa é a moda, porque realçamos os pontos positivos quando eles estão em minoria em relação aos negativos. A moda é tão só um movimento a que damos uma força excessiva. Quando se diz que Ponte de Lima está na moda não há nada mais a dizer. Mas conviria analisar os seus pontos marcantes.
A nossa aversão ao estudo, ao exame detalhado das coisas faz com que sejamos fracos na análise e pródigos na síntese repentina, judiciosa e condenatória ou laudatória. Como isto não depende de quaisquer sentimentos intrínsecos, perdoamos as pessoas, desculpabilizamos os efeitos.
Gente avisada seria mais comedida e não acreditaria tanto que, por termos a mesma emotividade, partilhamos os mesmos sentimentos ou repercutimos as nossas opiniões de forma imediata noutros. Os sentimentos aferem-se entre si e as opiniões comunicam-se sem querer levar as pessoas a tirarem quaisquer conclusões apressadas e defeituosas.
Não aceito que uns se arroguem o direito de espalhar o seu amor a Ponte de Lima como se os outros, todos os outros que se não apressem a apoiar e tenham uma visão diferente a não amassem. Uma nova visão de Ponte de Lima já foi divulgada neste Jornal e está em http://arquitecturaepontedelima.blogspot.com/.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

O Galo de pé descalço ao poleiro!

Criou-se um mito, uma imagem idílica dum mundo rural em que as aves de capoeira esvoaçavam livremente nas eiras de quintas e casais comendo os bichinhos da terra, a segadura da erva e dos restos das couves do caldo, algum milho para desfastio e engordavam sem custos que se medissem de modo mercantil.
Em qualquer momento a patroa estava pronta a degolar um dos seus melhores bicos a mando do marido para receber alguém de modo mais festivo. O que como é evidente só acontecia por festas, não quando aparecesse algum pobretanas.
A verdade é que tão poética fartura sempre foi vista como um sinal de egoísmo de quem viveria bem integrado na natureza e se estava marimbando para que o frango fosse inacessível aos suburbanos. Tanta fartura não colmatou a fome e seria preciso o frango de aviário para conseguir debelar de vez um mal secular.
Uns, mais fatalistas, dirão que o mundo rural tem tendência a morrer agarrado aos seus próprios valores, empolando sempre o seu contributo para a economia geral e nunca pondo em causa o seu atraso tecnológico e organizacional. Na verdade a nossa lavoura mostra-se incapaz de se preparar para o futuro, de prever os golpes devastadores que periodicamente caem sobre si.
Com o frango de aviário, o frango de pé descalço ganhou valor pela qualidade e o que poderia ser o seu fim tornou-se um incentivo à revitalização. Só que o frango caseiro vinha de uma realidade não mercantil. Quando se foi a fazer contas e verificar a diferença entre produção intensiva e extensiva e a pagar os factores de produção apropriados, ficou a perder.
Para agravar a situação, as gerações que hoje mais consomem alimentos são precisamente as gerações do frango de aviário, preferem-no, rejeitam mesmo o pé descalço, muitos já o acham quase intragável. Mesmo sem A.S.A.E. o seu mercado já está em manifesto declínio. Que haveremos de fazer por esta altiva ave, mantendo-lhe as características, a consistência e o sabor?

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Que a Festa se não faça só de décibeis e com a mesma canção

Poucos Santos conseguiram resistir ao apelo de Agosto e só as grandes romarias, como o Socorro, a Penêda, as Rosas ou as Feiras Novas, mais as festas aos três Santos de Junho, Sto António, S. João, S. Pedro, permaneceram no seu tempo, sem perder brilho, aliás. De Inverno resta-nos Sta Luzia, Sto Amaro e S. Braz, poucos mais, talvez porque sempre tiveram um mais acentuado cariz religioso.
Mas deixo ao nosso Exegeta Manuel Fernandes o cuidado de interpretar este fenómeno: Porque os Santos nos não trazem algum calor nestes meses de Inverno? Sem ser na Quaresma, vá lá, que isto entendo eu. Estamos, pois num período de acalmia que pode ser de reflexão. Toda a gente gosta de ter uma romaria à sua porta, um Santo protector, uma capela que lhe sirva de abrigo.
As características das festas mudaram radicalmente, nos lugares mais pequenos quiseram adoptar os padrões das festas mais centrais e concorridas. Na realidade isto levou a um encarecimento desmedido da realização das festas e romarias por todos os lugares do Alto Minho que tornou muitas insustentáveis.
A concorrência, pela concentração num curto período de tempo no ano, pelas mais variadas festas particulares, tem levado ao declínio de algumas, a dificuldades imensas, até à extinção. Impõe-se também aqui um esforço de imaginação para não deixar cair esse património, essa forma única de convívio, de juntar trazendo à terra gente que anda dispersa mas que mantém afinidades.
Já vai havendo consciência que os decibéis não são o remédio, que seria melhor caminhar no sentido das particularidades do que porem-nos todos a cantar a mesma canção. O espírito do lugar pode andar revoltado, não tem merecido o carinho que deveria ter dos habitantes, mas, se as pessoas procurarem, podem vir a realizar algo de mais espontâneo e natural que o modelo de festa que hoje impera.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Os opinadores modelares

Quando nos empenhamos numa “obra” sempre chega a altura de fazer um balanço e esta centésima bicada da garça é bem apropriada para isso.
Esta coluna de não jornalista não tem por intenção primeira revelar ao leitor factos novos, mas é utilizada para apresentar um acontecimento esquecido, uma opinião trivial sob um prisma diferente, até que sob o habitual não teria g®a®ça nenhuma.
Por pretensão só tenho a de, como voz, fazer parte da opinião pública, sem preencher esta ou aquela cota ou lacuna, mas com a certeza que esta ainda é uma forma digna e eficaz perante o falhanço de outras maneiras de intervenção cívica.
A maioria dos opinadores costumam adoptar modelos, posturas, opiniões e depois procuram os factos aos quais, na sua perspectiva, estes se podem aplicar. E vá de garatujar umas palavras mais ou menos bem escritas e aplicar-lhes aquela moldura e a sua credibilidade (que pensam ter).
As conclusões são sempre as mesmas e para não haver dúvidas colocam-se em primeiro lugar para não enganar o leitor. Não é esta a forma que eu adopto para escrever, porque é necessário ver o presente, mas ter consciência que nele existe muito de circunstancial, de efémero. Não formulo sentenças.
Acreditem que já tudo está dito mas a forma é que faz a diferença. E nessa forma inclui-se o léxico utilizado que permite classificar o tipo de prosa ou verso que vai sair: Grito, lamento, arroto, vómito, bisca, perdigoto. O meu léxico é outro.
Há aqueles que pensam ser uma escrita rebuscada para fugir a afrontar ninguém, a criticar opiniões alheias. Mas o poder ou se põe a jeito ou só tremerá quando houver uma opinião pública com força intelectual para opinar. Então tremerá.
É dos livros que os que detêm o poder o seguram bem e relativizam as opiniões alheias. As suas podem ser “patetices”, mas valem mais por serem de quem são. Não me cansarei de pregar as minhas, mas, sendo livre, não sou justiceiro.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Os pobres com e os pobres sem ... vergonha

Há pessoas que, com chorudas fortunas, que as poriam bem acima das remediadas, se escondem, mas inscrevem em tudo que é cabazes de Instituições de Caridade ou até de Organismos Públicos, simulando uma necessidade que não têm.
A Caridade tem de ser transparente para que quem a pratica o faça sem ter que estar sempre de pé atrás e para que quem a receba o faça com um sentimento de gratidão que sempre se deve ter para com as pessoas que, sem estarem obrigadas a isso, ajudam os outros com aquilo que é seu.
Antigamente os pobres conheciam-se, eram mesmo pobres, havia uma roupa de pobre, um comportamento de pobre e infelizmente os cães ladravam mais aos pobres que aos ricos, havia mesmo um cheiro a pobre. Mas, como quase todos só usufruíam de um simples remedeio, a caridade era difícil.
Hoje posso crer que, se não há mais dádiva, não é por falta de meios mas porque todos temos um sentimento de que há muita falsidade, muito descaminho, muito aproveitamento, muita figura feita para a esmola. Também falta a relação directa entre quem dá e quem recebe, que tudo hoje é intermediado por organizações.
Conta-se em Ponte de Lima que há uma menina de meia-idade, rica herdeira, solteira e bem formada, boa rapariga, não duvido, e que até quereria casar, mas que não tem vergonha em certas ocasiões de passar por pobre. Só não digo quem é para não a atrapalhar com pretendentes, que isto de herdeiras ricas, virgoleiras e casadoiras vai cá uma crise.
Quem é pobre não devia pedir às escondidas, que será eventualmente vergonha ser pobre toda a vida, mas não o é decerto ser pobre em certas circunstâncias. Ninguém gosta de comentários e reservas, de ser apontado de pobre toda a vida.
Hoje até há pobres porque há pessoas que devem muito aos Bancos, embora tenham os seus bens. Devia haver mais clareza em todas as instituições, listas dos tais pobres que quem não deve não teme e a vergonha pública é boa conselheira.