sexta-feira, 4 de abril de 2008

A Primavera no ciclo das Estações

Somos muito determinados para o bem e para o mal pelos ciclos naturais, é sabido. As estações do ano constituem um desses ciclos que exercem em nós uma forte influência, predispondo-nos para actividades indispensáveis na época e desmotivando-nos para outras. Só que a nossa vida já se desviou bastante desses ciclos.
Esta estação em que estamos, a Primavera, a mais promissora em termos de processo vegetativo de todas as quatro, traz-nos também problemas, até físicos, que todos sentem, uns porém mais intensamente do que os outros. Nascem-nos borbulhas, temos alergias, etc., etc.
Mas o que me interessa é que, sendo a Primavera a época por excelência das flores, do revigoramento do tecido vegetal, não é, no entanto, propícia a uma escrita leve, escorreita, despretensiosa. As palavras prendem-se, custam a sair, em contraste flagrante com a natureza exuberante.
Parece evidente que a natureza não gosta de palavras, antes quer contemplação, deslumbramento. Ela absorve-nos em certa demasia o espírito. Apresentando-nos tudo como constituído, não nos deixa grande espaço para criações nossas. É normal nesta altura virmos expressar opiniões embasbacadas e levianas sobre os propósitos que a natureza terá em nos enlevar.
Normalmente nós construímos para colmatar uma falha da natureza, para compensar um defeito, para a complementar, mas quando ela nos aparece assim tão cheia, tão dotada de todos os atributos que nós atribuímos ao belo, achamos que a mexer na natureza corremos o risco de a estragar.
Fugindo à ligeireza das palavras de ocasião, eu gosto de jardins, do espírito do jardineiro, mas a natureza acompanha-nos na rejeição de que se queira aprisionar a beleza dentro de um gradeamento. Numa cidade os jardins devem ser vistos mais pelo seu aspecto sanitário, prático do que da beleza em si.