sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A cultura como arma de arremesso ou forma de estar e interrogar

Uma conversa de base cultural é louvável. A conversa sobre a cultura não leva a lado nenhum. Primeiro porque cada qual, mesmo sem a utilizar em conversa, terá as suas razões para se convencer que a possui em quantidade suficiente para dar e vender.
Depois porque, se há um entendimento generalizado sobre o que é isso de cultura, não há uma abertura cultural que permita que os seus agentes vejam para além do umbigo. Os “homens de cultura” aceitam quaisquer conceitos que lhes sirvam, sem grandes contestações e sem necessidade de grandes interrogações.
Estas, derivadas imediatas das dúvidas, ficam para os filósofos. Quando nem saem da perspectiva da dúvida, ficam para os religiosos, que se martirizam para aplacar as suas. O dito “homem de cultura” não navega nas águas dos filósofos, que pôr o espírito a trabalhar é algo cansativo e de resultados imprevisíveis. Nem nas do religioso, a não ser por ingénua impostura.
Precisa de manter incólume o seu casulo e constrói justificações para êxitos e fracassos. Os amigos encarregar-se-ão do resto, de pôr as trombetas a tocar a favor de quem tão sabiamente percorreu solitários caminhos que o levaram a ter uma auréola inatacável.
Pelas citações que faz, procura só o que possa avalizar a sua postura perante a vida, o homem e o mundo. Armazena muita fraseologia, que a há para todos os gostos, mas, como só procura bodes expiatórios para os seus males, não vai dar quaisquer contributos à sabedoria universal.
Todos aprendemos a não nos deixarmos enganar, que, para construir o nosso caminho, a melhor solução é armadilhar o caminho dos outros. Poucos o não fazem. Quem não privilegia as suas amizades e cumplicidades, mesmo sabendo que é intelectualmente desonesto? Estas coisas são das primeiras que se aprendem.
É a certeza de que há mais do que esta “cultura”, que nos leva a entrar nesta conversa sobre cultura. A falsidade, a duplicidade pessoal, o clubismo não farão sozinhos o seu caminho. Toda a “cultura” que suporta a mais sórdida aleivosia só pode ser de quem se fecha em si próprio e vive de fantasias.